quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Gentileza

Há algum tempo atrás, eu resolvi dividir um ap com dois outros moradores. Um dos amigos destes outros moradores (que até chegou a ser meu amigo em determinada época e depois deixou de ser tratado como tal, mas isto não vem ao caso. Não neste post.) ia à meu ap com mulheres diversas e utilizava meu quartinho de despejo para finalidades sexuais. O tal quartinho era deprimente. Desde que tínhamos mudado, começamos a entulhar o cômodo com aquelas coisas que não precisamos ter sempre à mão mas não queremos (ainda) nos desfazer. Chegou a um ponto que eu - alérgica até à alma - não conseguia entrar mais lá dentro de tanta poeira acumulada. Mas o indivíduo arredava os entulhos, colocava um colchão que ficava embolado pq não cabia totalmente, ligava um radinho de pilha q tinha aparecido por lá e se satisfazia. Digno de pena. Um ser humano de quase 30 anos que ganhava um salário mínimo e precisava apelar para essas condições era, obviamente, digno de pena. As mulheres também. Nunca entendi o q se passava na cabeça delas. Se fosse coisa de só uma noite, tudo bem. Mas de vez em quando elas se repetiam. E eu ficava imaginando que futuro elas imaginavam que teriam de uma relação como aquela. Mas tal pensamento ocupava dois segundos da minha massa cinzenta e se esvaía. Problema deles. Geralmente eu mal via a cara das tais mulheres.
Um dia, ele resolveu namorar com uma delas. E ela achou q, por ir à minha casa, tinha o dever ou direito - sei lá - de conversar comigo. E me adicionou no msn. Só que ela começou a insistir em perguntar se ele era fiel. E não era. A coisa, inclusive, era tão descarada que ele chegou a desprezá-la no próprio aniversário para comer o seu presente (junto com morangos que apareceram meio mastigados, meio mordidos em cima da minha máquina de lavar roupa no dia seguinte) no referido quartinho.
Eu mudava sempre de assunto. Até que um dia, por pena (e só por isso), eu contei q não, que ele não era fiel e que, inclusive, já estava namorando outra àquela altura do campeonato (mesmo fingindo ainda estar com ela).
Anos depois, quando ele não transava mais no meu quartinho de despejo (pq eu mudei de lá); a pessoa do msn alegou q eu (então ocupadíssima em ser feliz) tinha delatado coisas como conversas alheias no msn para a atual infeliz.

Bom, saindo do caso para a análise: em toda a minha vida, eu percebi que fui gentil por dois motivos apenas. Um era por obrigação. O outro, por dó.
Minha educação me faz com que, em alguns casos, eu pense que não é mais do q minha obrigação ser gentil. Qdo eu ajudo na limpeza da casa do vizinho pq eu vivo lá e pq ele não paga mais a faxineira, eu faço por obrigação. Ele chama de gentileza. Mas eu vivo lá, eu ajudo a sujar, insisto. Não adianta, na cabeça dele, é gentileza.
Qdo entro primeiro no elevador, aperto o botão para manter a porta aberta até todos entrarem. Tem gente q me olha agradecendo a gentileza. Pra mim, é obrigação.
Fora destes casos, sou gentil por pena. Como no caso de te contar q seu namorado transa com todas, todo mundo sabe e vc é trouxa.

O problema é que a minha criação me obriga a ser gentil quase sempre. E quando se é gentil, vc tende a pensar nos outros. E tende a ser menos egoísta. E tende a passar por trouxa. E as pessoas tendem a se aproveitar disso. Alarme: problema detectado.

O principal ponto em que me estrepo é o financeiro. É o mínimo de gentileza dividir uma conta.Comer e beber e depois alegar que esqueceu a carteira em casa é absurdamente fora dos meus parâmetros. Mas quando a gentileza e boa vontade de um esbarra no egoísmo do outro a coisa complica.
Exemplo: eu bebo cerveja. Amo. E não como carne vermelha. No quesito salário, eu e meus amigos não temos um abismo de distância. Mas eu pago muitas contas. Alguns deles nem tantas. Outros não pagam nenhuma.
Então, rachar uma conta de forma igualitária é complicado. Desde que todos tenham bebido cerveja e comido frango e queijo (te amo Filipão!)* é tranquilo. Mas quando tem bebidas destiladas e outras variedades de carnes envolvidas eu me estrepo. Pq a metida à gentil aqui não consegue reclamar qdo - apesar de não ter comido e não ter bebido do mais caro - dividem a conta de forma igualitária.

Imaginar o quanto teria no meu saldo bancário se cada uma dessas vezes eu tivesse dado o grito, me faz ter vontade de dar o grito agora. Então, garçom, me traz um chopps e dois pastel (de queijo) e a cartela individual, por favor!

* Filipão = meu amigo, grande apreciador de cerveja e de filé de frango e batata aos 4 queijos do Loop.

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